A PAZ EM JESUS E KARDEC

Durante uma conversa surge uma dúvida em relação à tradução do Sermão da Montanha. E nesse texto Glaucia compartilha conosco suas reflexões sobre o tema e de “quebra” já nos dá umas dicas de leitura.

Meu amigo Ronaldo, do CEDAN, chega para mim e me pergunta, à queima roupa, se Kardec teria se equivocado ao se referir aos “pacíficos” e não aos “pacificadores” quando analisa o Sermão da Montanha, de Jesus.

Pensando juntos, chegamos à conclusão de que todos os pacificadores devem, é claro, ser espíritos pacíficos e que a missão de Kardec no Evangelho Segundo o Espiritismo foi a de trazer à luz a essência dos ensinamentos de Jesus, não havendo qualquer preocupação formalista em seu estudo.

O bom debate me levou ao aprofundamento da pesquisa que aqui compartilho com nossos leitores.

Fui pesquisar a melhor e mais moderna tradução da Bíblia – Novo Testamento, em edição primorosa da Cia das Letras, que nos traz a passagem das bem-aventuranças, do Sermão da Montanha. Segundo o tradutor, Frederico Lourenço, que utilizou a versão grega do século I, Jesus teria se referido aos “pacificadores”, ou seja, àqueles que promovem a paz.

O original em francês de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Kardec, da 3ª. edição da Union Spirite Française et Francophone, ao trazer-nos a passagem de Mateus, nos mostra a referência aos “pacíficos” (“qui sont pacifiques”), ou seja, os espíritos que vivem em estado de paz.  Na sequência, quando analisamos os textos e as mensagens dos espíritos da codificação, vemos que todos, de maneira indistinta, falam dos pacíficos, ou seja, dos espíritos que buscam viver em paz, consigo mesmos e com os outros.

Essa pesquisa me fez compreender que talvez, a chave não esteja na tradução, mas no próprio texto original, escrito por Mateus, que pode ter compreendido de forma peculiar as palavras de Jesus.

Afinal, quis Jesus afirmar que são bem-aventurados os “pacíficos” ou os “pacificadores”?

Tendo a acompanhar Kardec, mesmo com a divergência da tradução porque pacíficos seriam todos aqueles que vivem em paz e seriam estes bem-aventurados por só este motivo. Porque não se comprazem com a energia obscura do embate, porque veem o mundo de forma tolerante e justa, porque cultivam a paz em seus corações. 

O Sermão da Montanha é dirigido aos homens comuns, de quem Jesus não exige heroísmo. Jesus se refere, durante todo o Sermão, a características individuais espirituais e não de ações.

Se, ao invés de falar em “pacíficos”, Jesus tivesse se direcionado aos “pacificadores”, teria exigido que cada indivíduo, além de “manso e pacífico”, ainda fosse um promotor da paz, o que implicaria estar um passo além.

A leitura do Sermão nos mostra que Jesus sempre se refere àquilo que temos no coração (mansuetude, misericórdia, humildade, pureza e mesmo a aflição, o sentimento de injustiça e a dor do choro) e não aos comportamentos humanos.  É mais provável que, neste sentido, Jesus tenha pretendido se referir ao sentimento de paz no coração das criaturas.

Para suportarmos esta ideia, temos que nos lembrar de duas coisas: a primeira delas é a explicação de Kardec na Introdução de O Evangelho, quando nos explica que deliberadamente fugiu dos temas tormentosos (os atos comuns da vida de Jesus, os dogmas, as profecias) para focar na essência moral da doutrina trazida pelo Mestre. A segunda observação é a de que os espíritos que auxiliaram Kardec na produção de O Evangelho, ao tratar desta específica bem-aventurança, falam dos sentimentos que podem fortalecer ou corroer a paz nos corações. Os espíritos exaltam a paciência e a resignação em detrimento da cólera. Isto reforça a conclusão de que a intenção de Jesus era mesmo falar da construção da paz no interior de cada um de nós.

Afinal, se não aprendermos a cultivar a paz dentro de nós mesmos, não seremos capazes de viver em um mundo sem medos e sem violência. Nenhum de nós prosperará na construção da paz, enquanto não for capaz de cultivá-la em seu próprio coração.

GLAUCIA SAVIN

Facebooktwitterlinkedinmail