MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO. SERÁ MESMO?

MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO.

SERÁ MESMO?

Ao recusar o título de rei dos judeus, Jesus nos explica que seu reino não seria deste mundo, nos conduzindo à compreensão de que haveria um outro plano além da matéria que nos circunda. Boa e profunda lição, que nos obriga a indagar e procurar o que haveria além.

Mas sempre tem alguém que te provoca a pensar. E eu nunca me esqueço de um aluno querido e brilhante que, instado a comentar esta passagem, afirmou categórico e com sotaque gaúcho: “Mas é claro que Jesus é Rei! Se até Elvis Presley é o rei do rock e Pelé o rei do futebol, como é que Jesus – que fez muito mais pela humanidade do que os dois juntos – não seria Rei?”

E por que me lembrei disto agora?

Escrevo este texto na quarentena, em meio a uma pandemia. Estamos todos na expectativa do desenvolvimento de medicamentos e de uma vacina, que possam livrar a humanidade de um vírus. Os médicos, profissionais de saúde e demais cientistas são aqueles em quem depositamos todas as nossas esperanças. Muitas vezes profissionais anônimos, que viram noites em laboratórios e centros de pesquisa, cujos nomes são conhecidos apenas por seus pares. São os nossos heróis modernos.

E quem eram os heróis de nossos filhos antes da pandemia começar? Youtubers que ensinam dicas de maquiagem? Jogadores de futebol milionários? Influencers de marcas que alavancam milhares de “seguidores”?

Se há algo que pode ser ensinado neste momento às futuras gerações é o imenso valor do conhecimento que salva vidas e ameniza sofrimentos. Só que esta tarefa exige empatia, ética, estudo, dedicação ao conhecimento e, às vezes, uma dose grande de heroísmo.

Em meio à pandemia assistimos, estupefatos, à propagação das fake news. Sim, ainda há espíritos menos amadurecidos que se aproveitam de um momento de fragilidade para disseminar ideias tolas. E por que prosperam? Porque há um montão de gente que mesmo tendo à sua frente, ao alcance dos dedos, a nova Biblioteca de Alexandria (como diz o meu marido), prefere perder tempo valioso com futilidades, ao invés de buscar informações científicas sérias.

Aliás, vivemos um tempo em que a Ciência virou questão de fé. Quem diria que ainda teríamos que voltar a Galileo e explicar que a Terra é redonda, para milhares de pessoas que já viram um eclipse e andaram de avião?

Mas o quê nos diz Alan Kardec? Sempre lúcido e ponderado, Kardec nos ensina a utilizar a arma da fé raciocinada que não despreza o conhecimento científico. Nunca é demais repetir a máxima do Codificador: “Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.” Ciência e Religião podem e devem aliar seus saberes.

Aliás, é importante nos lembrarmos, como recomenda o psiquiatra Augusto Jorge Cury, que Jesus nunca explorou as emoções ou a fragilidade de ninguém. Jesus usava da humildade, sem deixar de ser firme, e seus ensinamentos eram dirigidos tanto ao sentimento quanto à inteligência. Jesus buscava exemplificar o que ensinava por meio de parábolas (sim, Jesus foi um grande storyteller). Suas lições – inspiradas na tradição judaica do diálogo – propunham o exame racional daquilo que ensinava.

Jesus não era um místico. Ele é reconhecido, acima de tudo, como um grande pedagogo. Em um momento tão especial como este em que precisamos, mais do que nunca, nomear nossos heróis de verdade e ensinar isto aos nossos filhos, vale nos lembrar de Jesus. Embora seu reino não estivesse mesmo neste mundo, não se pode deixar de considerar que aqui ele foi e sempre será um Rei – e o maior entre todos eles.

Glaucia Savin

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